Destaques • atualizado em 30/11/2019 às 14:58

Taxação da ANEEL sobre geração fotovoltaica inviabiliza energia limpa e favorece distribuidoras

A regulamentação proposta pela Aneel, que prevê taxar em 60% o setor de geração distribuída solar fotovoltaica pode inviabilizar a produção de energia limpa e renovável no Brasil. É o que apontam três diferentes estudos que analisaram a revisão da Resolução Normativa (REN) 482 realizados por pesquisadores da FGV (Fundação Getúlio Vargas), representantes de entidades do setor e acadêmicos da UCLA (Universidade da Califórnia).

Em Goiás, desde o início de 2019, foi apresentado um projeto de instalação de uma usina fotovoltaica no município de Flores. Em diversas propriedades rurais, a instalação dos equipamentos são utilizados como alternativa para economia e para reduzir a falta de energia nas propriedades. Como estimulador do sistema, o governador Ronaldo Caiado (DEM), precisa ficar atento ao que a ANEEL está promovendo.


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O evento foi realizado na última quarta-feira (27) na sede da Fundação em Brasília discutiu os riscos para o país da implementação das novas regras na indústria brasileira de energia solar, que prevê incremento de 50% em 2019.

Os estudos mostram que, desde o início da operacionalização, já foram investidos R$ 7 bilhões com a geração distribuída e criados mais de 100 mil empregos diretos. O cálculo de impacto na economia de consumo é da ordem de R$ 1,5 bilhão ao ano, além da previsão da criação de 600 mil novos empregos até 2035, segundo estimativas das entidades representativas.  

Entre os ganhos destacados pelos especialistas está a inserção de energia elétrica no sistema durante o período diurno, quando se observa maior consumo social. Além da diminuição drástica de perdas, do uso de água dos reservatórios das hidrelétricas e da queima de combustíveis fosseis das termelétricas.

O engenheiro Rodolfo Molinari, coordenador do grupo de estudo das associações brasileiras de energia solar, apresentou estudo técnico que defende os benefícios da GD como a geração de emprego e renda, a democratização e o protagonismo do consumidor como agente ativo do setor. Além do ganho de competitividade do mercado, a segurança energética do país, a diminuição da dependência unitária de usinas de grande porte e da regulação atual estar alinhada com o acordo de Paris.

“O discurso deve estar ancorado nos conceitos técnicos. Os dados do setor de GD mostram que a proposta da Aneel precisa ser repensada”, pondera.

Apesar dos números que sinalizam crescimento, a geração distribuída representa hoje apenas 1% da geração de energia no país. Atualmente, o Brasil possui 127 mil sistemas de microgeração distribuída fotovoltaica, equivalentes a 0,2% dos 84,1 milhões de consumidores cativos de energia.

O professor do Departamento de Economia da Universidade da Califórnia (UCLA), Rodrigo Pinto, explica que a medida da Aneel representa a criação de um Imposto sobre Operações Energéticas, que vai gerar aumento no tempo de retorno do investimento em geração solar distribuída em mais de 20 anos. Segundo ele, isso torna a produção solar economicamente inviável no Brasil, especialmente em um mercado composto, em grande parte, por micro produtores residenciais que adquiriram a tecnologia de painéis fotovoltaicos para consumo próprio.

Na regulação atual, o produtor de energia solar oferece o excedente de energia elétrica produzida no período diurno, exatamente quando os consumidores demandam mais. E consomem o que foi gerado durante a noite, quando a demanda é menor.

Atualmente, o pequeno produtor de energia solar já paga uma quantia fixa de energia, mesmo no caso de ele produzir tudo o que consome. Segundo o professor da UCLA, o novo tributo de 60% na troca da energia desincentiva investimentos em painéis solares.

“A medida é benéfica apenas para as concessionárias distribuidoras, que mantém o brasileiro como consumidor cativo e asseguram o monopólio da venda de energia elétrica ao público final. Ao invés de incentivar a produção de uma energia limpa, renovável e mais barata, a taxação da Aneel promove uma substituição do sol brasileiro pelo gás boliviano. O que faz pouco sentido”, defende.  

A justificativa do tributo é baseada, principalmente, em um estudo do Ministério da Economia, que estima perdas de R$ 21 bilhões para sociedade em 15 anos. Segundo Rodrigo Pinto, o documento da pasta contém erros conceituais que ignoram os benefícios gerados. Quando corrigidas variáveis simples, os indicativos mostram que a energia solar gera cerca de R$ 5 bilhões em benefícios econômicos.

De acordo com ele, o incremento da energia solar também aumenta a segurança energética, diminui o risco de apagões, reduz os custos de transmissão de energia, diminui as perdas e posterga a velocidade dos investimentos necessários para ampliação de toda a infraestrutura energética do país.

“Além do impacto positivo na economia, o cálculo desconsidera também diversos benefícios ambientais e técnicos para a rede elétrica nacional. Ou seja, energia solar torna o sistema energético do país mais eficiente.” explica.

CENÁRIO INTERNACIONAL

A pesquisa atesta também que taxar o mercado de energia solar vai na contramão das melhores práticas internacionais. Rodrigo Pinto utiliza a Califórnia, nos Estados unidos, como base de comparação. O estado tem 40 milhões de habitantes e índice de irradiação solar similar ao do Brasil, com uma população de 210 milhões de habitantes.

De acordo com a pesquisa, em 2018, a produção de energia solar de um único estado americano foi mais de 10 vezes superior que a produção total de energia solar do Brasil. “Ao considerarmos a diferença entre as populações, a capacidade de geração de energia solar per capita da Califórnia foi 60 vezes superior à brasileira”, enfatiza.

Segundo ele, os números são resultado do estímulo ao setor promovidos pelo governo norte-americano. O estado paga 30% do custo total de instalação do sistema solar e o produtor tem a garantia da troca de energia com a rede de distribuição pelos próximos 20 anos.  

“O produtor de energia solar que produz tudo que consome paga apenas uma taxa de US$ 10,00. Além disso, em 2020, as novas construções residenciais serão obrigadas a ter painéis solares na Califórnia. Enquanto lá, o estado oferece estabilidade jurídica e incentivos, o Brasil inibe o investimento em uma área com grande potencial”, compara.

Além da Califórnia, países europeus como Espanha e Alemanha mudaram legislação em prol do produtor de energia limpa e renovável, segundo pesquisa apresentada pelos técnicos da FGV.  

A Alemanha promoveu desregulamentação e incentivos financeiros, além de ampliação do acesso à rede por pequenos geradores e preferência a projetos de energia renovável no acesso à rede. O resultado é expressivo, com mais de 50% da energia elétrica provindo de fontes renováveis (solar e eólica), desde 2018.  

Já na Espanha, o modelo de taxação foi substituído por um de maior incentivo, com cortes nos custos, mais segurança jurídica para geração distribuída e o fim de taxações sobre geração e consumo.

RECORTE REGIONAL

A pesquisa apresentada pela FGV traz um recorte regional sobre o impacto da efetivação do tributo nos estados em que a produção de energia solar é incipiente. O pesquisador da FGV, Fernando Marcato, considera que informações socioeconômicas relevantes, como o componente regional e a disparidade atual entre as Unidades da Federação, devem ser consideradas.

A região Norte como um todo, por exemplo, não atinge o potencial de diversos estados que estão na fase inicial de desenvolvimento do setor, como Rio de Janeiro e Ceará. Já a soma da potência instalada de Microgeração e Minigeração Distribuída (MMGD) nas regiões Norte e Nordeste (17%) é menor do que o potencial instalado apenas no estado de Minas Gerais (22%).

“A norma elaborada pela Aneel desconsidera as diferenças entre regiões e estados. Não se pode avaliar a política pública a partir da experiência do Sudeste, exclusivamente. Os locais onde a geração distribuída é incipiente poderiam e deveriam ter tratamento diferente”, defende.

Segundo Marcato, as mudanças previstas na REN 482 podem inviabilizar, inclusive, o início da operacionalização do setor nestes locais e travar o desenvolvimento da geração distribuída por todo território nacional.    

O debate foi uma iniciativa do Grupo de Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV-EAESP e do Grupo de PPPs, Concessões e Privatizações da FGV DIREITO – SP, em parceria com o SOS GD, colegiado que reúne empresas de energia solar e entidades como ABGD (Associação Brasileira de Geração Distribuída) e ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).


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