Texto originalmente publicado no perfil do Prof. Luis Signates, no Facebook
Um dos limites da bestialidade humana, contida pelos ritos civilizatórios da modernidade, é a vida dos filhos. Quando um pai extermina a vida de um filho, é porque há algo de errado com o gênero humano. Pois bem: no Brasil de hoje, em que a democracia decaiu ao golpe e à mediocridade, há pais que matam os próprios filhos, sob justificativas inspiradas em pensamentos de direita.
Por isso, minha pergunta neste post é: o que há em comum entre o engenheiro Alexandre José da Silva Neto, em Goiânia, e o técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, em Campinas, além de ambos terem matado membros de sua família com arma de fogo e se suicidado em seguida?
O primeiro extinguiu a vida do próprio filho na via pública, no dia 15 de novembro último, por discordar que ele participasse de manifestações estudantis. O segundo, na noite do réveillon, sábado passado, matou várias pessoas da família, inclusive o filho, por não aceitar o divórcio, e escreveu uma carta, endereçada ao menino que morreria também por suas mãos, na qual expôs juízos sobre sua situação e a do país, entremeando várias ideias de direita.
Ajuizar sobre dramas familiares não é fácil. Crises e problemas em família são assuntos complexos, que demandam grande conhecimento específico das pessoas e relações envolvidas. Contudo, as crises da vida privada oferecem sinais que às vezes podem servir de fundamento para a compreensão da sociedade como um todo.
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Nesses casos específicos, são gritantes as ideias esposadas pelos assassinos. Não que elas tenham sido motivadoras das tragédias – assassinos familiares não são ideólogos – mas as ideias, nesses casos, foram justificadoras dos juízos morais que culminaram nos atos. E, em ambos os casos, são ideias direitistas, conservadoras, que apareceram fazendo esse papel.
Não se pode dizer também que o fato desses assassinos terem sido direitistas culminaram nos assassinatos, como se fosse próprio da direita forjar matadores. Há direitistas democratas, pacifistas, bem-intencionados e civilizados, assim como há esquerdistas que não são assim, embora se deva reconhecer que a esquerda se caracteriza por mais sensibilidade social e humana do que a direita. De toda forma, não há na distinção direita/esquerda uma justaposição com a dicotomia mal/bem, embora haja quem pense assim em ambos os lados da posição política.
Contudo, é singular que o pensamento direitista haja fornecido, no Brasil de 2016, em ambos os casos citados, combustível para justificar as atrocidades. É que, em nosso país, a direita se volta, sabe-se lá porquê, contra ideias originalmente liberais modernas, como a igualdade de gênero e os direitos humanos, aqui plenamente identificadas com o esquerdismo, e não raro defende o retrocesso da própria condição democrática.
Que pais que pensem assim matem os próprios filhos e assumam tais ideias como justificativas parece ser um alerta importante no sentido não apenas de suspeitarmos da validade moral dessa posição política, mas, também, para que nos indaguemos que país é esse que está sendo construído para as nossas crianças.
Luis Signates, doutor em comunicação e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG).
www.facebook.com/luis.signates