Destaques • atualizado em 12/04/2021 às 13:33

E o fator social da pandemia?

Professor da UFG. Foto: reprodução/arquivo pessoal.
Professor da UFG. Foto: reprodução/arquivo pessoal.

Por Cristian de Paula Sales Moreira Junior

Pronto. Alcançamos a marca dos 350 mil mortos decorrentes da pandemia que, se bem que existe o fator biológico -a saber, o próprio vírus-, ele se apequena diante da sua natureza social [1]. Esta doença não significa um “acidente” da natureza. Ela é fruto das próprias relações materiais que o homem estabelece com o meio. Urbanização sem planejamento e destruição do meio ambiente, para dizer o mínimo do mínimo. É interessante, também, observar que mesmo que o vírus provoque a morte, ele não o faz por si mesmo. Ele depende, para matar, do fator social. Isto é, da forma como os seres humanos reagem, socialmente, diante do problema. Para matar, ele depende da falta de vacinas, de insumos, de vagas de UTI, de um governo que preste a devida atenção ao problema. Este é o primeiro passo para compreender a quantidade exorbitante de mortes que esta pandemia (alguns chamam de sindemia) têm provocado.

Hoje já não é “viajar na maionese” pensar em 500 mil mortes até o fim do semestre. Alguns ainda dizem que são poucas mortes, se considerarmos os 12 milhões e pouco de infectados. São coisas do Brasil, lugar onde não se valoriza as ciências humanas e, por causa disso, as mortes são contabilizadas não por vias históricas ou sociológicas, mas matemáticas com a característica frieza dos números – que também são elementos sociais e não simplesmente naturais. Vou-me embora pra Pasárgada…

A torcida do Flamengo inteira (que foi campeã ontem) sabe o que é preciso para derrotar o vírus. E não é medicina, visto que não existe tratamento precoce nem cura (risos). Basicamente: 1) auxilio emergencial (R $600 reais pra mais) pra poder segurar as pessoas em um 2) lockdown severo, mas rápido (ninguém aguenta ficar preso em casa pro resto da vida) e, aí sim, 3) vacinação em massa. E esta vacinação têm que ser de forma exageradamente rápida, para cortar o mal pela raiz porque, com uma vacinação lenta como a que se têm promovido – por questões também sociais e governamentais (o governo se recusou a comprar vacinas desde Agosto do ano passado – sic) – novas cepas surgem e aí a gente não consegue sair deste ciclo vicioso nunca! E disto nós, Brasil, entendemos, visto que já fomos exemplo mundial de vacinação a ser seguido. Temos competência e estratégias articuladas historicamente. Erradicamos o sarampo, já chegamos a vacinar mais de 5 milhões de pessoas em um único dia. Não é nada surreal, mas muito real.

Ou seja, não há nada novo sob o Sol, como diria Eça de Queirós. Os trabalhadores continuam a arriscar suas vidas indo ao trabalho sem as condições de proteção necessárias para execução de suas funções. Continuam sem saber se seus empregos resistirão às novas restrições de circulação. Os informais, que já passaram de 30 milhões (um número escabroso!), perderam a esperança de se formalizarem e, contribuindo com o INSS para a seguridade social, quem sabe um dia se aposentar de forma digna e humana. Aliás, se bem que aposentadoria já é uma palavra fora do horizonte de expectativa. O que resta é trabalhar, até a morte (literalmente). Do outro lado da moeda, o que mais se vê hoje são placas de “vende-se” ou “aluga-se” onde antes funcionavam estabelecimentos. As pequenas empresas, endividadas até o pescoço, também não têm segurança quanto ao futuro. Não sabem se conseguirão pagar empréstimos, folhas de pagamento, fornecedores. Pensam ter que demitir funcionários, mesmo sem possuírem capital para pagar os acertos. Empréstimos para pagar empréstimos.

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O auxílio emergencial serviu, dentre outras coisas, para mostrar o quão desigual é nossa sociedade. R $600,00 reais foram suficientes para fomentar a economia com um boom em alimentação e construção civil. Gente como eu e você, que com esse dinheirinho a mais no bolso foi à mercearia da esquina comprar comida ou terminar aquela cobertura na garagem. Enquanto isso, 20 brasileiros entram na lista de bilionários da Forbes, com crescimento recorde durante a pandemia. Os bancos dispensam comentários. Essa grana serviu também para aumentar a popularidade do sr. Presidente. Tudo indica que o próximo, um quarto do valor, não fará nem uma coisa, nem outra.

Enquanto isso, o sr. Presidente no sábado passa por estabelecimentos, em um de seus passeios, fomentando aglomerações, sem usar máscara e, ainda por cima, ameaçando comerciantes e funcionários locais de que as restrições impostas por governadores e prefeitos vão fazer eles ficarem “sem salários”. Ouvir isso de um qualquer, quando você já está no cheque especial, com todos seus cartões de créditos com limites estourados e ainda não pagou aquela conta de energia, te faz ficar desanimado. Agora, ouvir isso de ninguém mais, ninguém menos, do que o próprio Presidente da República, falando diretamente com você, ué… A gente está em depressão. Nos dois sentidos.

Cristian de Paula é professor de História e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG)


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