Pacientes à espera de transplantes de órgãos têm mais um motivo de angústia com o espalhamento da variante Ômicron: descobrir se o possível doador testou positivo para covid. No caso de doadores vivos que estejam contaminados, é preciso esperar um mês para a recuperação, o que amplia a espera pelos órgãos. O problema afeta também os possíveis doadores que morreram. Em um hospital especializado em transplante renal de São Paulo, 30% dos rins não puderam ser doados porque os mortos estavam com covid-19. O aumento dos casos de covid-19 e de influenza também provocou a queda do número de doadores nos bancos de sangue.
Especialistas afirmam que a explosão de casos da variante Ômicron, mais contagiosa, vai trazer um impacto direto nos transplantes em janeiro. “Teremos uma queda do número de doadores no mês de janeiro”, afirma Gustavo Fernandes, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) e médico da Santa Casa de Juiz de Fora (MG).
No Hospital do Rim, referência em transplante e tratamento de doenças renais, localizado na zona sul de São Paulo, os dados já estão quase consolidados. A unidade fez 70 transplantes por mês ao longo do ano passado. Em janeiro, a queda foi vertiginosa: apenas 37. Uma das razões da baixa no número de transplantes foi a falta de testagem para covid-19, um problema crônico do País no enfrentamento da pandemia. “Nem todas as pessoas são testadas Com isso, a presença do vírus é descoberta apenas na hora da testagem para a doação de órgãos”, afirma José Medina, diretor do hospital e um dos maiores especialistas brasileiros em Nefrologia.
Doação vetada
Desde o começo da pandemia, doadores e receptores de órgãos são testados para a covid via exame molecular RT-PCR. Uma resolução do Ministério da Saúde veta a doação dos órgãos quando a pessoa está contaminada. Com isso, 30% dos doadores do hospital foram descartados, só no mês de janeiro, por causa da infecção.
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Outro problema é a demora na testagem. Em alguns casos, os doadores simplesmente desistem. Em Juiz de Fora, um possível doador com teste coletado no sábado, 15, só teve resultado na segunda-feira, 17, o que inviabilizou a doação. O exame teve de ser feito em Belo Horizonte, a 266 km de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. “É um momento muito difícil para a família. Não é possível aguardar dois dias à espera de um resultado do teste antes do sepultamento”, argumenta Gustavo Fernandes.
A Ômicron agravou as dificuldades que a área de transplante vem sofrendo ao longo da pandemia. Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos apontam uma queda de transplante de 25% a 30% nos últimos dois anos. Foram 10.363 órgãos e tecidos transplantados em 2021. “A Ômicron chegou no momento em que estávamos recuperando o nível de transplantes, mas nunca chegamos ao patamar de antes da pandemia”, avalia Gustavo Fernandes.
Além da queda de doadores, a pandemia interrompeu tratamentos. Foi o que aconteceu com Patrícia Andrade Santos, de 38 anos. Desde 2020, ela não consegue retomar o tratamento de dessensibilização para evitar rejeição dos novos órgãos – o primeiro transplante não deu certo. Avaliado em cerca de R$ 200 mil, o procedimento é feito em poucos hospitais. Sem ele, a dona de casa não pode tentar outro transplante. “Essa pandemia deixa a gente frustrada”, diz a moradora do Capão Redondo, na zona sul
Fila
Na tarde desta sexta-feira, 21, o Estadão acompanhou a angústia daqueles que estão na fila para o transplante no meio da pandemia. Adam Batista Ramos, de 38 anos, aguarda um rim há seis. Depois de 19 testes que não deram certo com possíveis doadores, ele vai tentar um tratamento com a mulher, Diana, em março. “O segredo é não ficar ansioso”, diz o antigo trabalhador da área de TI.
Mesmo depois de conseguir um novo transplante – ela viveu dez anos com o primeiro transplante -, a dona de casa Renata Sandri, de 45 anos, confessa que tem medo de se contaminar com a variante Ômicron. Por isso, evita sair do quarto do hospital – seu novo transplante, bem-sucedido, ocorreu no dia 15, e ela deve ter alta hoje. “A gente precisa aprender a conviver com a pandemia, mas eu evito sair do quarto. Ainda tenho um pouco de receio porque essa variante é muito contagiosa”, diz ela.
Avanço da variante coloca a Fundação Pró-Sangue em alerta
O aumento dos casos de covid-19 e de influenza provocou a queda do número de doadores de sangue. No maior hemocentro do País, a Fundação Pró-Sangue, a situação é de emergência. Em São Paulo, o estoque dos tipos sanguíneos O positivo, aquele que tem a maior demanda, além de todos os tipos de RH negativo (A, B, AB e O), está em fase emergencial. Ou seja, a quantidade de sangue não é suficiente para abastecer os hospitais para menos de um dia. A fundação atende mais de 100 hospitais públicos na Grande São Paulo.
A demanda por sangue é fixa, seja por pacientes internados ou que fazem transfusão regular. Com o desabastecimento, as bolsas são destinadas aos mais graves. “As transfusões são feitas naqueles que têm risco de óbito a curto prazo. É um tipo de seleção”, diz Natália Magalhães, médica da Fundação Pró-Sangue. Ela faz um apelo: “O ambiente de doação é separado do restante do hospital. A doação é segura. Estamos precisando muito”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. Por Gonçalo Junior – Estadão Conteúdo.
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