O discurso do presidente Jair Bolsonaro na manhã desta terça-feira (21) durante a 76ª abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), repercutiu e dividiu opiniões. O professor e doutor em sociologia, José Elias Domingos, fez uma avaliação sobre as falas do presidente, onde ele cita pandemia, meio ambiente, defendeu o tratamento precoce da Covid-19, corrupção, economia e vários outros. Para o sociólogo, o discurso de Bolsonaro não ‘destoa’ muito do que ele é.
”O discurso dele [Bolsonaro], não destoa muito do que ele é. Muitas vezes na fala dele ali, parecia que ele estava direcionando aquela fala para ter um recorte para agradar determinados nichos que são vinculados ao bolsonarismo”, disse.
O sociólogo ainda completa, ”Não foi um discurso que destoou muito daquilo que ele vem pregando dentro da sua concepção de política, da sua concepção de intervenção enquanto governante de política a combate da Covid-19. Basicamente o que ele fez na abertura da Assembleia Geral da ONU, que inclusive o Brasil tem esse espaço reservado como o primeiro a fazer o discurso desde 1947, ele usou o palco para fazer um discurso de defesa do seu governo”, explica José Elias.
Bolsonaro defendeu o tratamento precoce contra a Codi-19 e até lembrou que ele foi um dos primeiros a fazer este tratamento e que não entende o porque de alguns países e a própria mídia serem contra.
Para o sociólogo José Elias, Bolsonaro se esqueceu que talvez este tipo de mensagem ela não tenha tanta eficácia quando estamos falando dentro de uma Assembleia da ONU, falando de países soberanos que conhecem e conseguem fazer uma análise de observação da conjuntura política brasileira.
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Repercussão
O ex-ministro da Saúde no governo Bolsonaro Luiz Henrique Mandetta chamou a fala do presidente de “cínica”. “Infelizmente, o Brasil deve crescer só metade do que o resto do mundo em 2022. O Real desvalorizou mais que outras moedas emergentes. A inflação deve ficar entre as maiores do mundo. Desmatamento batendo recorde. Mas Bolsonaro acha que seu cinismo na ONU vai enganar investidores”, disse o ex-ministro em publicação através de seu Twitter.
Marcelo Freixo (PSB/RJ), líder da minoria na Câmara, classificou a fala como um “delírio”.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 afirmou, através de seu perfil no Twitter, que o discurso do presidente foi um “vexame”.
O pré-candidato à presidência Ciro Gomes chamou de “hipócrita”. “Tudo como previsto . Poucos minutos de discurso na ONU e uma carga de mentiras, mistificações, obscurantismo e hipocrisia que poderia cobrir anos e anos. Mas este tempo de vergonha tem seus dias contados. Fora Bolsonaro!”, escreveu.
Por meio de nota, a ONG WWF Brasil diz que, mais uma vez, o presidente “usou uma oportunidade conferida pelo cargo que ocupa para repetir frases de campanha sem qualquer relação com os principais desafios do planeta e do Brasil”.
Leia a nota na íntegra:
Pelo terceiro ano consecutivo, Jair Bolsonaro ocupa a principal tribuna planetária sem assumir a postura de estadista que se espera de um Presidente da República. Mais uma vez, ele usou uma oportunidade conferida pelo cargo que ocupa para repetir frases de campanha sem qualquer relação com os principais desafios do planeta e do Brasil – estes, sim, merecedores da atenção de um presidente.
Com informações e alegações que não encontram respaldo nos fatos, ele tentou esconder o desastre que sua gestão está deixando para o Brasil em todas as áreas, incluindo a ambiental. Pior: desrespeitou os brasileiros que ainda sofrem com as quase 600 mil mortes causadas pela má gestão da pandemia da Covid ao defender o uso de tratamentos comprovadamente ineficazes – talvez, o mais gritante exemplo do quanto seu discurso é desconectado da realidade.
Palavras na tribuna das Nações Unidas não mudam o fato de que o Brasil está sofrendo com a pior crise hídrica dos últimos 90 anos pelo efeito combinado de fatores meteorológicos com o crescente desmatamento da Amazônia. Nos três anos de seu governo, o Brasil teve três recordes de desmatamento e queimadas, colocando a floresta cada vez mais perto de seu ponto de inflexão. Segundo o Painel Científico da Amazônia, aproximadamente 17% das florestas amazônicas foram convertidas para outros usos da terra e pelo menos outros 17% foram degradados. Estudos científicos mostram que em algumas regiões a Amazônia já emite mais carbono do que capta.
Pelo terceiro ano seguido o Presidente da República passou ao largo não só da realidade, mas das grandes questões que afligem o Planeta. A destruição das instituições de aplicação da lei ocorrida em seu governo e a consequente aceleração da destruição ambiental terão efeito de longo prazo não só para o país, como para o mundo.
A agricultura depende de chuvas e estas dependem de uma Amazônia protegida. Bolsonaro não só paralisou a demarcação de terras indígenas, como promete alterar a lei e interferir no Judiciário para reverter demarcações já feitas. Embora venda a parte do setor agrícola que o apoia que isso seria um ganho, pois permitiria uma maior expansão de pastagens e lavouras, é na realidade uma perda.
Hoje as terras indígenas preservam 25% do que restou da Floresta Amazônica e, todos os dias, enviam para o restante da América do Sul, gratuitamente, 5,2 bilhões de toneladas de vapor de água, por meio da transpiração das florestas que preservam. É esse vapor que vai formar as chuvas que permitem aos produtores brasileiros colher duas safras ao ano, tornando o país um campeão agrícola. Menos terras indígenas, portanto, significa menos produção.
A defesa do Código Florestal, por sua vez, não reflete o que essa legislação efetivamente garante. O Código Florestal é uma lei que permite ainda amplo desmatamento (88 milhões de hectares), mesmo o país tendo mais de 60 milhões de hectares de terras sub-utilizadas. As leis florestais da maioria dos países (França, Alemanha, Suécia, Japão, outros) proíbe a conversão de florestas para áreas agrícolas, salvo exceções muito raras.
Infelizmente o discurso não causou espanto, ele resume o que vem sendo o governo Bolsonaro: desorientado, afastado da realidade e direcionado apenas uma pequena parcela da população.
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