Economia • atualizado em 25/08/2021 às 20:58

Investimento do governo federal em ciência voltou ao nível de 2009, diz estudo

(Foto: Reprodução)
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O governo federal investiu no ano passado em ciência e tecnologia menos recursos do que aplicava no setor em 2009. O patamar em 2020 foi de R$17,2 bilhões, ante R$ 19 bilhões há 12 anos, em valores corrigidos pela inflação do período. O levantamento é da economista Fernanda De Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), obtido pelo Estadão.

O corte de verbas cria desde problemas pontuais, como a pane da plataforma Lattes – banco de dados com informações de todos os pesquisadores brasileiros, que ficou fora do ar duas semanas neste mês – até efeitos no longo prazo, como a perda de competitividade da economia. Desde o início do ano passado, a importância da ciência aumentou com a demanda criada pela pandemia, que envolve estudos sobre testes, remédios e vacinas contra a covid-19, entre outras iniciativas.

Na gestão Jair Bolsonaro, a falta de dinheiro foi agravada pela retenção de parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). O bloqueio foi proibido pelo Congresso, mas cerca de R$ 2,7 bilhões continuam travados. Segundo o estudo de Fernanda de Negri, o investimento em ciência e tecnologia no governo federal atingiu o pico em 2013. Daquele ano até 2020, os gastos recuaram 37% em termos reais (descontada a inflação). “Depois de mais de uma década de um ciclo relativamente consistente de ampliação, os investimentos em C&T (…) (chegaram) em 2020 a um nível inferior ao observado em 2009”, diz. Em 2013, o gasto havia sido de R$ 27,3 bilhões.

Os gastos estão distribuídos por várias pastas e órgãos públicos: desde o Ministério da Defesa até o da Economia, onde estão alocadas instituições como o próprio Ipea e o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). E nem todos esses órgãos foram atingidos da mesma forma. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) foi uma pasta que concentrou cortes.

Comandada pelo astronauta Marcos Pontes, ela é responsável pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão responsável pelo Lattes e por pagar auxílios a pesquisadores, além do Fundo de Ciência. A Capes, outra agência de fomento à pesquisa, é vinculada ao Ministério da Educação (MEC). “Praticamente toda a pesquisa brasileira realizada em empresas, universidades ou instituições de pesquisa é financiada com os recursos desses três fundos (CNPq, Capes e FNDCT). Mesmo as instituições de pesquisa vinculadas ao MCTI, ou a Fiocruz e a Embrapa, acabam necessitando de recursos adicionais de pesquisa e recorrendo aos editais do FNDCT, bem como a bolsas e formação do CNPq e da CAPES”, diz o texto.

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Juntas, as três instituições já responderam por 40% de toda a verba para a ciência na União – hoje, a fatia é de 28%. As instituições dispõem hoje do mesmo valor que controlavam no começo dos anos 2000. “O gasto só não caiu mais porque temos essas duas instituições, a Embrapa e a Fiocruz, cujo investimento não caiu tanto. Só que essas duas tratam das pesquisas realizadas por elas próprias. Não dizem respeito à pesquisa dentro das universidades, nas empresas etc”, disse Fernanda ao Estadão. “Obviamente isso tem um impacto muito forte do ponto de vista da formação de cientistas e vai ter um impacto grande na nossa capacidade de produção de conhecimento no futuro”, observa a pesquisadora. Procurado pela reportagem, o Ministério da Ciência e Tecnologia não se manifestou.

Conta-gotas

Em abril, ao sancionar o Orçamento de 2021, Bolsonaro desrespeitou uma lei complementar aprovada semanas antes pelo Congresso e bloqueou R$ 5 bilhões do FNDCT. A lei que proíbe o bloqueio de recursos do fundo foi aprovada após intensa pressão da comunidade científica. Até mesmo pesquisas relacionadas à covid-19 foram paralisadas

Agora, o governo sinaliza que liberará os R$ 2,7 bilhões restantes em breve. Metade deve ir para projetos não reembolsáveis – bolsas de pesquisa e projetos de universidades – e a outra metade, para organizações sociais (OSs) ligadas ao MCTI.

“Eles querem liberar 50% para as OSs do restante que falta, ou seja, 25% do total, e deixar para as universidades e institutos só 25%”, diz o ex-deputado e ex-ministro da Ciência e Tecnologia Celso Pansera, hoje coordenador executivo da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP). A fatia destinada às OSs iria para entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, responsável pelo acelerador de partículas Sirius, em Campinas, entre outras.

“O Brasil de 2021 não cabe no Brasil do início dos anos 2000”, diz o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro. “Não só porque cresceu a população do País, mas porque cresceu a população de estudantes universitários, que passou de cerca de 3 milhões para 8 milhões. Então temos muito mais necessidades e muito mais produção hoje “

Segundo Ribeiro, a falta de investimento em pesquisa intensifica a “fuga de cérebros”. “No Brasil, sempre teve o seguinte: se você consegue emprego numa universidade que pague sua pesquisa, aguenta as piores dificuldades, mas não vai embora. E agora, as pessoas não estão sequer conseguindo emprego. Por isso estão partindo”, diz. “Isso significa que a sociedade pagou muita coisa delas, inclusive o mestrado e o doutorado, e a gente entrega esse pessoal pronto, de graça, para países ricos. O que é uma medida muito estúpida, equivocada.”

Exemplo

Como vários outros pesquisadores, o agrônomo Lucas Cavalcante da Costa, de 30 anos, já teve de lidar com as consequências da falta de financiamento. Em 2018, ele apresentou projeto à Universidade de Oxford sobre arroz. A ideia era saber como a planta, alimento-chave da dieta brasileira, reage em um ambiente com alta concentração de gás carbônico. Esta deve ser a realidade global nos próximos anos, com as mudanças climáticas. A pesquisa era parte de seu doutorado na Universidade Federal de Viçosa (MG), e a bolsa seria custeada pelo CNPq.

Seria. Mesmo tendo entusiasmado os pesquisadores britânicos e tirado nota máxima em todos os quesitos avaliados pelo CNPq, Lucas acabou sem o financiamento por falta de verba. “Meu projeto recebeu a avaliação de ‘muito bom’ e ‘excelente’. Mas, no parecer final, o CNPq escreveu que o projeto, apesar de meritório, não poderia ser contemplado por restrições orçamentárias. Foi meio frustrante”, diz ele. “E ainda tive de explicar aos estrangeiros que não ia acontecer por falta da verba.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

Por André Shalders – Estadão conteúdo

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