Clientes, entidades de defesa do consumidor e estudiosos do mercado da saúde torcem pelo mesmo desfecho do caso Prevent Senior. Por um lado, esperam que a empresa seja punida após investigação das irregularidades denunciadas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Por outro, buscam garantir que os mais de 500 mil beneficiários não percam acesso ao plano de saúde – um dos únicos de baixo custo para idosos.
O escândalo ressalta a falta de transparência do mercado da saúde, a vulnerabilidade dos pacientes diante das condutas médicas e o frágil controle social sobre as práticas das operadoras. Muitos cidadãos, entre eles o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, perguntam por que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) demorou tanto a agir.
Desde o início da pandemia, a distribuição de drogas sem comprovação de eficácia, o “kit covid”, pela Prevent, era de conhecimento público. Na TV e em redes sociais, a operadora fazia propaganda do “tratamento precoce” e “estudos” feitos com hidroxicloroquina, azitromicina e outras substâncias – remédios também defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro.
Apesar disso, em junho de 2020, a ANS promoveu reunião virtual para destacar quatro operadoras com “experiências exitosas de coordenação do cuidado durante a pandemia”. No evento da ANS, o médico Pedro Benedito Batista Júnior, diretor executivo da Prevent, menciona o protocolo terapêutico adotado pela empresa e a repercussão alcançada.
“Conseguimos trazer atenção e segurança aos nossos beneficiários neste momento de pandemia”, disse ele. “Tivemos 92 visitas e intermediações com outros municípios, Estados, operadoras e governos de nove países que entraram em contato conosco para entender a logística de protocolos tanto de atendimento e atenção primária dos pacientes, quanto da questão terapêutica”, afirmou.
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À CPI, Batista confirmou que a operadora orientou médicos a modificar, após algumas semanas de internação, o Código Internacional de Diagnóstico (CID), atitude injustificável do ponto de vista médico. “O planejamento de enfrentamento da pandemia depende de informação fidedigna. Um hospital que frauda isso joga do lado do vírus. Se ficar impune, pode acontecer de novo”, diz o senador Humberto Costa (PT-PE).
Além da ocultação e manipulação de dados sobre a causa de óbitos, práticas (como falta de informação e transparência na relação com pacientes, ausência de autonomia médica e experiências sem o devido consentimento informado de pacientes) foram denunciadas à CPI e ao Ministério Público.
Controle social
Quatro organizações da sociedade civil, entre elas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), pedem intervenção da ANS na Prevent. “Esse tipo de intervenção não é comum, mas a gravidade dos fatos que envolvem a Prevent justifica a medida”, diz o advogado Matheus Falcão, analista do programa de saúde do Idec. “Existe grande falta de transparência nesse mercado. A agência deveria averiguar e intervir mais. Ao mesmo tempo, a sociedade precisa ter mais espaço nesse controle”, afirma.
“Ninguém quer que a empresa quebre, algo que prejudicaria os clientes. Por isso, pedimos intervenção técnica da ANS para resolver os problemas”, diz Falcão. Em junho e julho, o Idec também enviou duas notificações extrajudiciais a outra operadora, a Hapvida, por causa da prescrição de drogas ineficazes contra a covid.
Para a advogada Renata Vilhena Silva, fundadora de um dos maiores escritórios especializados em direito à saúde, a pandemia mostra não existir mágica na saúde suplementar. “Quando chegam aos 59 anos e encaram o aumento de mensalidade em outras operadoras, os clientes querem migrar para a Prevent Senior para pagar menos”, diz. “É preferível fazer downgrade para o padrão enfermaria na operadora em que estão, mas continuar a contar com pelo menos um grande hospital onde os clientes possam se sentir seguros, em caso de internação.”
Em nota, a Prevent nega “acusações mentirosas levadas anonimamente à CPI da Covid e à imprensa” e diz ter notificado rigorosamente todos os casos e mortes decorrentes da doença. “A empresa sempre respeitou a autonomia dos médicos, nunca demitindo profissionais por suas convicções técnicas”, declara. A Hapvida informa que, no passado, houve adesão relevante de sua rede à hidroxicloroquina, mas ela foi reduzida de modo acentuado nos últimos meses. “Hoje a instituição não sugere o uso desse medicamento, por não haver comprovação científica de sua efetividade”.
Procurada pelo Estadão, a ANS não respondeu. Em nota à imprensa na sexta-feira, afirmou monitorar os planos de várias formas, principalmente pela “análise de dados recebidos periodicamente das operadoras e reclamações” de consumidores e prestadores de serviços de saúde nos canais de atendimento. Disse tomar “todas as providências possíveis” de apuração, mas destacou não ter “competência para regular a atividade de profissionais e estabelecimentos de saúde”. Ainda conforme a agência, a Prevent é obrigada a manter assistência aos seus clientes.
Sob o argumento de que a Prevent não é uma associada, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) não falaram.
Modelo de negócios
O caso Prevent Senior desperta discussões sobre o modelo de negócios da empresa, baseado na verticalização. Por esse sistema, uma operadora de plano de saúde tem sua própria rede hospitalar e de outros serviços. Por isso, consegue estabelecer protocolos de tratamento (escolha prévia de remédios que podem ser prescritos pelos médicos), negociar preços mais baixos com fornecedores de remédios e insumos e alcançar resultados de saúde mais previsíveis e satisfatórios para pacientes.
Segundo a teoria ensinada nos melhores cursos de gestão e a prática adotada por outras operadoras, a verticalização é vista como uma boa estratégia. O fundamental, na difícil relação entre operadoras e seus beneficiários, é garantir que os protocolos das empresas não tragam só redução de custos para os planos, mas reais benefícios à saúde dos clientes.
“Os acontecimentos que envolvem a Prevent Senior precisam ser separados em duas esferas: a criminal e a do modelo de negócios”, diz o médico sanitarista Walter Cintra Ferreira Junior, professor de Gestão em Saúde da FGV-SP.
A empresa resolveu trabalhar de forma que nenhuma outra queria: oferecer plano individual (cujos reajustes são regulados pela ANS) para idosos (justamente os que necessitam de mais recursos e, com isso, eleva a sinistralidade do convênio).
“O caso não deve abalar o conceito de verticalização. Esse será o modelo hegemônico no mercado. As empresas de saúde que não tiverem escala não vão sobreviver”, afirma Ferreira Junior. “A Prevent pode sofrer do ponto de vista criminal e de imagem, dependendo da conclusão das apurações”, diz.
Antes da pandemia, algumas iniciativas da empresa para evitar o agravamento das condições de saúde dos pacientes eram consideradas exemplares. Entre elas, o centro cirúrgico que funciona 24 horas, todos os dias, para operar rapidamente os idosos que sofrem fraturas. Na velhice, o índice de complicações e letalidade aumenta rapidamente quando há demora na correção de fraturas.
“A empresa meteu os pés pelas mãos durante a pandemia, mas quebrá-la seria burrice”, afirma ele. “É natural que os pacientes estejam inseguros, mas penso que não é o caso de procurar outro plano agora.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. Por Cristiane Segatto – Estadão Conteúdo
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